Um mal chamado mau humor [Jornal O Estado RJ]
08/01/2010 - 10h57m
“Oh céus, oh vida, oh azar. Isso não vai dar certo”. A frase eternizada pela hiena Hardy, personagem do clássico desenho animado Lippi & Hardy, exibido na década de 70 no Brasil, representa uma situação vivida por muitas pessoas em um dia em que tudo parece dar errado. Momentos de mau-humor são comuns no cotidiano, mas isso pode ser tornar prejudicial quando se tornam episódios constantes.
Cara fechada, impaciência e um tom carregado de ironia nas conversas. Foi assim que o publicitário Diogo Campos, ganhou o apelido de “garoto enxaqueca” na 7º série do ensino fundamental. “Eu costumava ser muito pavio-curto e não me dava muito bem com todo o mundo”, afirma.
Recebendo críticas constantes de amigos e familiares, chegando às vezes a evitar festas e confraternizações, Diogo notou que sua conduta estava sendo prejudicial em seus relacionamentos e buscou ajuda. “Na verdade meu comportamento era decorrente de problemas pessoais que eu não conseguia lidar e resolver, e isso acabou refletindo nas minhas relações”, afirma o publicitário.
De acordo com o psiquiatra Antônio Alvim Jr., todos estão sujeitos, depois de uma noite de sono ruim ou um contratempo, a ficar com mau humor. “Ficamos pouco tolerantes, críticos, de mal com a vida", explica. Entretanto, em algumas pessoas, o mau humor pode trazer prejuízos. Nessa situação, a pessoa quase não tem amigos, têm dificuldades de relacionamentos, e dificuldades no emprego. Pouca gente sabe, mas esse comportamento pode ser um sinal do transtorno conhecido como distimia.
Falta de prazer nas atividades pode ser um alerta
Caracterizado pelo mau-humor e depressão crônicos, a distimia tem como principais manifestações comportamentais a falta de prazer nas atividades do dia a dia, o costume de ver o lado negativo dos fatos e tendência ao isolamento. "Os pacientes com distimia se queixam de sentimentos de inadequação, baixa auto-estima, pessimismo, idéias de culpa, perda de interesse e falta de produtividade", explica Antonio. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o transtorno pode atingir 3% da população mundial.
Segundo a psicanalista Maraísa Abrahão, quem é portador da doença padece da ausência de prazer. “O sujeito distímico sofre, principalmente, da falta de esperança, nele, no outro, na vida”, afirma. O diagnóstico da doença se torna difícil, pois os portadores do transtorno acreditam que os sintomas são características de suas próprias personalidades. “Assim, a procura por ajuda médica vem pelo sintoma da depressão, e não do mau-humor”, revela a psicanalista.
Rotulados como mal-humorados ou “fechados”, os eles podem passar anos sofrendo sem saber que são portadores do transtorno. J. S.*, que pede para não ser identificado, nunca tinha ouvido falar em na doença. “Achava que era uma questão de gênio, que eu já havia nascido assim”, revela.
J.S conta que a principal dificuldade que enfrentava era o convívio social. “Estar com as pessoas era desagradável, pois eu só queria estar quieto e sozinho. Ir a locais públicos, com os amigos e parentes representava um verdadeiro sacrifício”, diz.
O web designer Paulo C.**, que pediu para preservar sua identidade, passou por situações como essas durante dez anos. Ele revela que por muito tempo achou que o mau humor era parte de sua personalidade. “Sempre me achei mal humorado, mas, ao longo dos anos fui ficando mais fechado, ranzinza, me sentia frustrado porque as coisas ao funcionavam”, diz.
A busca por ajuda veio, como na maioria dos casos, pelo sintoma da depressão. “Quando a terapeuta falou em distimia eu me senti doente e recusei na hora. Sumi um mês, mas voltei, porque era óbvio que algo não estava bem”, conta.
Segundo Paulo, quem está nessa situação não acha meios de sair do labirinto que o distúrbio cria. “Chega uma hora que você não vê sentido em sair com o pessoal, acha besta ir num barzinho ou festa. Como você diz para essas pessoas que ela precisa viver, sair mais e conhecer pessoas pra crescer como indivíduo, se ela simplesmente tem horror a isso?”, explica.
Melhorando a qualidade de vida
Entretanto, existem tratamentos para melhorar a qualidade de vida de quem sofre com a distimia. “Os tratamentos visam não só a melhora, mas também evitam que a partir da distimia surjam outras doenças como cardiopatias, cefaléias, gastrites, síndrome do pânico, entre outros males”, ressalta Maraísa.
Segundo Antonio Alvim, o auxílio do psiquiatra também pode ser de extrema importância. "A distimia abre portas para outros transtornos psiquiátricos, como a depressão, presente em até 20% dos pacientes distímicos, e também para o abuso de álcool e drogas, vistos como uma forma de lidar com o sofrimento", explica.
Para J.S., o tratamento na terapia trouxe a possibilidade de compreender o que se passava com ele para, a partir daí, enfrentar os sintomas. “Hoje, tenho uma qualidade de vida muito melhor, e um convívio mais próximo e participativo com a família”, conta.
Paulo relata que além do trabalho terapêutico, foi em busca de todos os tipos de recursos. “Li muito a respeito, fui conhecer outros distímicos, qualquer informação valia muito”, desabafa. Atualmente, aos 39 anos, afirma que acabou de iniciar um período sem a distimia, no qual apresenta mais facilidade nos relacionamentos afetivos e profissionais e sem crises de depressão. Segundo ele, o transtorno apareceu como um efeito para reequilibrar sua vida e representou um aprendizado. “Eu entendo hoje que a distimia foi a forma que minha mente encontrou de me forçar ao normal, é como a febre que temos porque o organismo está combatendo um corpo estranho. Pra mim, a distimia, foi a febre. E eu venci”, comemora.
*J.S. são iniciais fictícias que foram utilizadas para preservar a identidade do paciente. **C. é inicial fictícia utilizada para preservar a identidade do paciente.
Fonte: O Estado RJ
|